A recente sentença n. 39722 de 9 de julho de 2024, emitida pela Corte de Cassação, suscitou um aceso debate no âmbito jurídico sobre o delicado tema do concurso de crimes em matéria de maus-tratos em família e tortura. A Corte estabeleceu que o delito de maus-tratos, agravado por crueldade e motivos fúteis, pode concorrer com o delito de tortura, especialmente quando a vítima é um familiar menor de idade. Este artigo propõe-se a analisar os pontos salientes da sentença e a esclarecer as implicações legais e sociais desta importante decisão.
A Corte destacou que os dois delitos tutelam bens jurídicos distintos: a integridade psico-física no caso dos maus-tratos e a dignidade da pessoa no caso da tortura. Esta distinção é fundamental para compreender como os dois crimes podem coexistir sem se sobrepor, tornando possível uma punição adicional para as condutas de tortura quando estas se manifestam como ulteriores opressões físicas ou psicológicas.
Concurso com o delito de tortura agravada ex art. 613-bis, parágrafo quarto, cod. pen. - Subsistência - Razões - Fato. O delito de maus-tratos em família agravados por crueldade, motivos fúteis e defesa diminuída e aquele de tortura em dano de um familiar menor de idade podem concorrer entre si em razão da diversidade do bem jurídico tutelado - a integridade psico-física dos familiares no primeiro caso e a dignidade da pessoa no segundo - e da não sobreposição estrutural das condutas incriminadas, visto que o delito de tortura adquire relevância autônoma no caso em que a conduta, além de ser funcional aos maus-tratos, se exterioriza em ulteriores opressões físicas e psicológicas da vítima, provocando a esta agudas sofrimentos físicos ou um verificável trauma psíquico. (Na motivação, a Corte considerou correta a condenação do imputado nos termos do art. 613-bis, parágrafo quarto, segundo período, cod. pen., em vez do art. 572, parágrafo terceiro, último período, cod. pen., por ter causado a morte do filhinho de dois anos, diante do hiato temporal decorrido entre as iniciais violências, perpetradas com injúrias, agressões, lesões e ameaças, e os sucessivos atos com os quais o imputado se havia acirrado à vontade sobre a vítima, despersonalizando-a e desumanizando-a, ao ponto que a mesma não conseguia mais chorar, apenas para dar vazão aos próprios impulsos bestiais, assim transformando-a em uma "coisa" à sua mercê).
Esta sentença representa um passo significativo na luta contra a violência doméstica e fornece uma clara indicação sobre como as condutas violentas, especialmente contra menores, devem ser perseguidas com rigor. A Corte sublinhou a importância de reconhecer os sofrimentos infligidos não apenas como maus-tratos, mas também como tortura, abrindo caminho para penas mais severas para tais crimes. Esta abordagem está em linha com as normativas europeias que visam proteger os direitos dos menores e garantir que a justiça seja servida de forma adequada e célere.
Em conclusão, a sentença n. 39722 de 2024 oferece uma interpretação clara e detalhada da lei relativamente ao concurso de crimes no âmbito de maus-tratos e tortura. Ela não só esclarece as diferenças entre os dois delitos, mas também sublinha a importância de garantir justiça para as vítimas, em particular para os mais vulneráveis, como os menores. A jurisprudência continua a evoluir, e com ela a necessidade de proteger os direitos fundamentais dos indivíduos dentro das dinâmicas familiares.