O ordenamento penal sobre alimentos vive há anos um progressivo deslocamento para modelos de justiça restaurativa e de desburocratização do contencioso. Os arts. 12-ter e seguintes da lei 283/1962, reescritos pela reforma Cartabia (d.lgs. 150/2022), introduzem um procedimento extintivo baseado em prescrições de regularização impostas pelos órgãos de controle. Mas o que acontece se tais prescrições nunca forem notificadas ao investigado? A sentença n. 16082 de 2025 da Terceira Seção Penal fornece uma resposta clara, que merece ser aprofundada.
A lei 283/1962 disciplina os crimes em matéria de produção e comércio de alimentos. As intervenções de 2022 adicionaram ao tradicional sistema sancionatório um procedimento extintivo modelado naquele do art. 318-bis c.p. e 162-bis c.p. Em resumo:
O art. 12-sexies prevê então um mecanismo “suplente”: se o Ministério Público recebe notícia de crime sem prescrições, pode devolver os autos convidando o órgão de vigilância a proceder. O caso decidido pela Cassação nasce justamente da inércia do órgão fiscalizador.
Em tema de disciplina penal dos alimentos, a omissão da indicação ao investigado, por parte do órgão fiscalizador, das prescrições de regularização cuja observância é necessária para fins do procedimento extintivo especial de que tratam os arts. 12-ter e ss. lei 30 de abril de 1962, n. 283, introduzida pelo art. 70, comma 1, d.lgs. 10 de outubro de 2022, n. 150, não é causa de improcedibilidade da ação penal relativa às contravenções previstas pela lei citada, punidas com pena de multa, ainda que alternativa. (Na motivação, a Corte acrescentou que o mecanismo previsto pelo art. 12-sexies lei n. 283 de 1962, pressupondo que o Ministério Público não tenha recebido a notícia de crime do órgão fiscalizador, não obriga a adoção das prescrições, de modo que, esgotado o prazo de sessenta dias do envio dos autos, o magistrado pode prosseguir sem ter que sindicar ou pedir contas da inércia do órgão fiscalizador).
Comentário: a Corte exclui que a inércia do órgão de vigilância possa se traduzir em um “vazio de tutela” a favor do réu. O procedimento premial é apenas uma faculdade, não uma etapa necessária para a validade da ação penal. Daí decorre que o julgamento prossegue e a eventual regularização administrativa poderá ser valorizada, se for o caso, na fase de aplicação da pena ou de circunstâncias atenuantes.
A decisão, embora se insira na linha de precedentes (Cass. 3671/2018, 36405/2019), reitera alguns pontos chave:
Com a sentença 16082/2025 a Cassação reforça o princípio de legalidade processual: se o legislador não subordina a ação penal à tentativa prévia de regularização, os juízes não podem introduzir decadências a favor do réu. O anseio é que os órgãos de controle garantam, de qualquer forma, a efetividade do procedimento extintivo, de modo a promover a segurança alimentar mediante a tempestiva adequação dos operadores, reduzindo ao mesmo tempo a carga judicial. Entretanto, empresas e defensores estão avisados: a falta de prescrições não é um escudo processual, mas sim um problema gerencial a ser enfrentado imediatamente para conter riscos penais e econômicos.