O direito penal, especialmente no âmbito dos crimes económicos, está em contínua evolução para combater eficazmente as novas formas de criminalidade. O crime de autolavagem, introduzido no nosso ordenamento com a Lei n. 186/2014, é um instrumento crucial para impedir o ocultamento e a reinserção no circuito legal dos proveitos ilícitos. A recente sentença n. 18847, depositada em 20 de maio de 2025 pela Suprema Corte de Cassação, oferece uma importante chave de leitura sobre a aplicação de tal tipificação, em particular quando se configura uma pluralidade de crimes subjacentes e uma identidade subjetiva parcial entre os autores. Esta decisão é fundamental para compreender as responsabilidades penais em contextos complexos, reforçando a luta contra quem tenta "lavar" os frutos do crime.
O artigo 648-ter.1 do Código Penal pune quem, tendo cometido ou concorrido para cometer um crime não culposo, realiza operações destinadas a obstaculizar a identificação da proveniência delituosa de dinheiro, bens ou outras utilidades. O objetivo é impedir que o criminoso possa usufruir livremente dos proveitos da sua atividade ilícita, reintroduzindo-os na economia legal. É um crime que se acrescenta ao original, refletindo a gravidade de um comportamento que perpetua os efeitos do primeiro ilícito.
A sentença n. 18847/2025 da Cassação (Presidente P. A., Relator B. M.), proferida no caso do arguido L. E., aborda a delicada questão da autolavagem na presença de múltiplos crimes subjacentes e de uma parcial identidade subjetiva entre os autores. A Corte esclareceu que a responsabilidade por autolavagem não exige que o agente tenha cometido todos os crimes subjacentes dos quais derivam as utilidades ilícitas. Esta interpretação estende significativamente o alcance da norma.
Responde pelo crime de autolavagem o autor, mesmo que de apenas um dos múltiplos crimes subjacentes que, ciente da origem delituosa das utilidades derivadas do crime ao qual concorreu, realiza uma conduta típica subsequente causalmente orientada a obstaculizar a apuração da sua proveniência. (Na motivação, a Corte afirmou, ademais, que, na presença de múltiplos crimes subjacentes, a configurabilidade do crime de que trata o art. 648-ter.1 do Código Penal não exige a identidade física entre todos os autores dos referidos crimes e aqueles que realizam a conduta subsequente de autolavagem).
Esta máxima é crucial. Ela estabelece que basta ter concorrido para apenas um dos crimes subjacentes, desde que se tenha consciência da proveniência ilícita dos proveitos e se aja para obstaculizar a sua rastreabilidade. Não é necessária uma perfeita "identidade física" entre todos os autores dos crimes originários e quem depois realiza a autolavagem. Isto significa que mesmo um sujeito com um papel menor no crime subjacente, mas que posteriormente gere os proveitos ilícitos com intenção de ocultação, pode ser chamado a responder por autolavagem. Esta leitura amplia a eficácia da norma, tornando mais difícil iludir a justiça através de complexas redes de cumplicidade, em linha com o artigo 110 do Código Penal sobre o concurso de pessoas no crime.
A sentença n. 18847/2025 da Corte de Cassação é um pilar importante na luta contra a autolavagem. Ela reforça o princípio de que a justiça persegue quem quer que tente ocultar os frutos de atividades criminosas, mesmo em cenários complexos de concurso e pluralidade de crimes. A interpretação fornecida pela Suprema Corte potencia os instrumentos à disposição da magistratura e das forças policiais, enviando uma clara mensagem: o intento de esconder os proveitos ilícitos não encontrará escapatória nas intrincadas arquiteturas criminosas. Para a sociedade, isto traduz-se numa maior proteção da economia legal e num sinal de firmeza contra toda a forma de ilegalidade financeira.