A recente sentença n.º 49951, proferida pelo Tribunal de Cassação em 26 de outubro de 2023, representa um importante esclarecimento em matéria de crimes contra o património, em particular no que diz respeito ao crime de burla. Este pronunciamento tornou-se necessário para abordar a questão da relevância da finalidade ilícita do sujeito passivo no contexto da configuração da burla. Analisemos em conjunto o conteúdo da sentença e as suas implicações jurídicas.
O caso envolveu D. G., acusada de ter obtido um lucro injusto para si através de artifícios e enganos, induzindo a vítima em erro. O Tribunal de Cassação, anulando parcialmente a sentença do Tribunal de Apelação de Lecce, reiterou um princípio fundamental do direito penal: a finalidade ilícita do sujeito passivo não exclui a possibilidade de configurar o crime de burla.
Burla - Finalidade ilícita do sujeito passivo do crime - Irrelevância para fins de configuração - Razões. Integra o crime de burla a conduta de quem obteve um lucro injusto em detrimento de outrem, pondo em prática artifícios e enganos que induziram a vítima em erro, mesmo no caso em que esta última agiu motivada por fins ilícitos, visto que não se desvanece, neste caso, a objetividade jurídica da tipificação, constituída pela exigência de tutela do património alheio e da liberdade do consentimento em negócios patrimoniais.
Esta sentença insere-se numa jurisprudência consolidada que já abordou situações análogas, como evidenciado pelas máximas anteriores conformes, incluindo a n.º 10792 de 2001 e a n.º 42890 de 2013. Estas decisões contribuíram para definir o perímetro de aplicação do crime de burla, estabelecendo que o elemento subjetivo da vítima não afeta a objetividade do próprio crime.
A sentença n.º 49951 de 2023 representa um importante passo em frente no esclarecimento do crime de burla, reafirmando a necessidade de proteger o património alheio e a liberdade do consentimento em negócios patrimoniais. Este princípio é fundamental para garantir um equilíbrio entre as liberdades individuais e a tutela dos direitos patrimoniais. Num contexto jurídico em contínua evolução, é fundamental que profissionais e cidadãos estejam cientes das implicações legais decorrentes de comportamentos ilícitos, tanto nos papéis de vítima como de réu.