O Obstáculo à Supervisão Pública: Análise da Sentença 20174/2025 sobre o Art. 2638 c.c.

Num sistema económico cada vez mais interligado e regulamentado, a transparência e a correta informação desempenham um papel crucial. As autoridades públicas de supervisão, sejam elas CONSOB, Banco de Itália, IVASS ou outras, são o baluarte de proteção da integridade do mercado e da confiança dos investidores. Qualquer ação que dificulte o seu trabalho representa uma grave ameaça, não só para a entidade individual, mas para todo o sistema. É neste contexto que se insere a importância do artigo 2638.º do Código Civil, que sanciona precisamente o crime de obstáculo ao exercício das funções das autoridades públicas de supervisão. Uma recente decisão do Tribunal de Cassação, a Sentença n.º 20174 de 30/04/2025 (depositada em 29/05/2025), oferece esclarecimentos fundamentais sobre a natureza e a consumação de tal crime, fornecendo valiosos insights para profissionais e empresas.

O Contexto Normativo e a Relevância do Art. 2638 c.c.

O artigo 2638.º do Código Civil visa tutelar a funcionalidade e a eficácia da atividade de controlo exercida pelas autoridades de supervisão. Estas últimas têm a tarefa de monitorizar setores estratégicos da economia, como o bancário, financeiro, segurador e dos mercados, para prevenir abusos, fraudes e garantir a estabilidade. O legislador, com esta norma, quis sancionar todas as condutas que, de forma direta ou indireta, impedem ou dificultam a apuração da real situação económica, patrimonial e financeira dos sujeitos sujeitos a controlo. O que está em jogo é elevado: a correta informação é o pilar sobre o qual se fundam as decisões económicas e a confiança do público.

A Sentença 20174/2025: Clareza sobre a Natureza do Crime

O Tribunal de Cassação, com a sentença 20174/2025, relator S. I., reiterou e esclareceu aspetos essenciais relativos ao crime de obstáculo à supervisão. No caso específico, que via imputado C. V. contra o Ministério Público, o Tribunal de Apelação de Veneza tinha anteriormente anulado parcialmente sem reenvio uma sentença, levando a questão à atenção da Suprema Corte. O princípio de direito expresso pela Cassação é de particular relevância:

O crime de obstáculo ao exercício das funções das autoridades públicas de supervisão, previsto no art. 2638.º, n.º 1, c.c., é um crime de mera conduta, integrado tanto pela omissão de comunicação de informações devidas, como pelo recurso a meios fraudulentos destinados a ocultar ao órgão de supervisão a existência de factos relevantes para a situação económica, patrimonial e financeira da sociedade, que se consuma no momento em que é implementada uma das condutas alternativas previstas na citada norma, destinadas a ocultar a efetiva realidade económica, patrimonial ou financeira dos sujeitos sujeitos ao controlo das autoridades públicas de supervisão.

Esta máxima é esclarecedora. Em primeiro lugar, define o crime como de “mera conduta”. Isto significa que para a sua consumação não é necessário que ocorra um evento danoso efetivo (por exemplo, o colapso de um banco ou uma perda financeira para os investidores), mas é suficiente que seja posta em prática a conduta típica descrita pela norma. Noutras palavras, o ato de obstaculizar a supervisão é, por si só, suficiente para integrar o crime, independentemente das consequências imediatas. A sentença precisa ainda que o crime pode ser integrado por duas tipologias de condutas alternativas:

  • A omissão de comunicação de informações devidas: Trata-se de um comportamento passivo, consistente em não fornecer dados, documentos ou notícias que por lei ou regulamento devam ser transmitidos à autoridade de supervisão.
  • O recurso a meios fraudulentos: Esta conduta é ativa e implica a utilização de expedientes enganosos para ocultar ao órgão de supervisão factos ou situações relevantes para a condição económica, patrimonial e financeira da sociedade.

O momento da consumação do crime é identificado com a implementação de uma destas condutas, no preciso instante em que se manifesta a intenção de ocultar a real situação. Isto sublinha a severidade com que o ordenamento jurídico italiano pretende tutelar a transparência perante as autoridades de controlo.

As Implicações Práticas e a Tutela do Mercado

As consequências desta interpretação jurisprudencial são significativas para todas as entidades sujeitas a supervisão. A clareza sobre a natureza de “crime de mera conduta” impõe um elevado padrão de diligência e proatividade na gestão das relações com as autoridades. As empresas e os seus administradores devem estar cientes de que mesmo uma simples omissão, se relevante e devida, pode integrar os pressupostos do crime. Não é admitida a desculpa de não ter causado um dano concreto, pois a lei pune o entrave à função de controlo em si.

Este princípio reforça a necessidade de implementar sistemas de controlo interno robustos e procedimentos claros para a comunicação das informações. A conformidade normativa não é mais apenas um encargo administrativo, mas um verdadeiro escudo contra responsabilidades penais. A tutela do mercado e dos investidores passa também pela certeza de que as autoridades de supervisão possam operar sem impedimentos, baseando-se em informações completas e verdadeiras.

Conclusões: Rumo a uma Maior Transparência Societária

A Sentença n.º 20174/2025 da Cassação coloca-se como um farol na interpretação do art. 2638.º c.c., reforçando a mensagem de que o obstáculo à supervisão pública é um crime grave, cuja consumação ocorre com a simples conduta omissiva ou fraudulenta. Para as sociedades e os seus órgãos dirigentes, isto significa uma maior responsabilidade e o imperativo de adotar uma abordagem proativa à transparência. A consultoria jurídica especializada torna-se, portanto, indispensável para navegar num quadro normativo complexo, garantindo a plena conformidade e prevenindo riscos penais. Só através de um compromisso constante com a correção e a colaboração com as autoridades se pode contribuir para um sistema económico mais saudável e fiável.

Escritório de Advogados Bianucci