Na era da digitalização da justiça, o processo penal telemático representa um recurso fundamental, mas não está isento de armadilhas. A possibilidade de um sistema informático sofrer mau funcionamento levanta questões cruciais, especialmente quando prazos peremptórios e a liberdade pessoal ou patrimonial estão em jogo. É neste contexto que se insere a relevante Sentença n. 18444 de 2025 da Corte de Cassação, que oferece um esclarecimento essencial sobre as consequências do não depósito telemático de atos processuais devido a problemas técnicos do sistema.
O nosso ordenamento processual penal prevê a adoção de medidas cautelares, pessoais (como a custódia em prisão) ou reais (como o sequestro preventivo ou conservativo), que incidem profundamente nos direitos dos indivíduos. Contra tais provimentos, a lei garante específicos meios de impugnação, entre os quais o reexame, caracterizado por prazos extremamente rigorosos. O não cumprimento destes prazos pode acarretar consequências gravíssimas, como a perda de eficácia da própria medida, segundo o previsto pelos artigos 309, parágrafo 10, e 324, parágrafo 7, do Código de Processo Penal. A transição para o processo telemático tornou o depósito dos atos quase exclusivamente digital, introduzindo uma nova variável: a fiabilidade do sistema informático. O que acontece, portanto, se um defensor não conseguir depositar a tempo um pedido de reexame devido a um mau funcionamento do portal da justiça?
A questão foi levada à atenção da Suprema Corte no caso que via o arguido G. C., após o Tribunal da Liberdade de Agrigento ter rejeitado um pedido. O ponto nodal dizia respeito precisamente ao não depósito telemático do pedido de reexame, atribuído a uma anomalia do sistema. A Corte de Cassação, com a Sentença n. 18444 de 2025 (Presidente D. S. E., Relator R. A.), forneceu uma resposta clara e tranquilizadora para os operadores do direito, distinguindo entre o não depósito devido a negligência e aquele causado por eventos externos e imprevisíveis. A máxima da sentença resume impecavelmente o princípio afirmado:
Em tema de impugnações cautelares reais, o não depósito telemático do pedido de reexame devido ao mau funcionamento do sistema não determina a perda de eficácia da medida ex arts. 309, parágrafo 10 e 324 parágrafo 7, cod. proc. pen., que pressupõe o depósito ter sido efetuado, encontrando, em vez disso, aplicação, para o impugnante, o diverso remédio da restituição no prazo por caso fortuito previsto pelo art. 175 cod. proc. pen.
Esta pronúncia é de fundamental importância. A Cassação esclarece que a perda de eficácia da medida cautelar, prevista pelos artigos 309 e 324 c.p.p., ocorre apenas quando o depósito do ato deveria ter sido "efetuado" nos prazos mas não o foi por causas imputáveis ao impugnante. Se, em vez disso, o depósito não ocorreu devido a um mau funcionamento do sistema telemático, estamos perante um "caso fortuito", um evento imprevisível e insuperável que impede o cumprimento do prazo. Nestas circunstâncias, a sanção da perda de eficácia não pode ser aplicada, pois faltaria o pressuposto de uma conduta negligente ou omissiva do defensor.
A solução indicada pela Suprema Corte é a "restituição no prazo" (ex art. 175 c.p.p.). Este instituto permite que uma parte que tenha incorrido em decadência por caso fortuito ou força maior, ou por factos não imputáveis à mesma, seja readmitida a praticar o ato processual. A aplicação do artigo 175 c.p.p. nestes casos é um baluarte na proteção do direito de defesa, princípio cardeal do nosso ordenamento constitucional. O mau funcionamento do sistema telemático, de facto, não pode e não deve prejudicar o direito de uma parte a impugnar um provimento que incide sobre os seus direitos fundamentais. A Cassação reconhece assim a necessidade de equilibrar o rigor dos prazos processuais com a garantia de um processo equitativo, especialmente num contexto tecnológico que, embora ofereça inegáveis vantagens, apresenta também vulnerabilidades.
Os artigos de referência para esta interpretação são:
A Sentença n. 18444 de 2025 da Corte de Cassação representa um ponto firme na jurisprudência relativa ao processo penal telemático. Ela reitera um princípio de civilidade jurídica: a tecnologia deve ser um instrumento ao serviço da justiça, não um obstáculo intransponível. Reconhecendo a restituição no prazo como remédio para o mau funcionamento do sistema, a Corte assegura que o direito de defesa seja efetivamente garantido, evitando que falhas técnicas se traduzam em prejuízos irreversíveis para as partes. Este orientação é fundamental para manter a confiança dos operadores e dos cidadãos no sistema judicial, promovendo uma abordagem pragmática e garantista aos desafios impostos pela inovação tecnológica.