O recente acórdão n.º 8829, de 3 de abril de 2024, do Tribunal da Relação, levantou importantes questões em matéria de cessão de créditos, em particular quanto aos ónus probatórios do devedor em caso de cessões sucessivas. A decisão insere-se num contexto jurídico complexo, onde a clarificação das normas pode ter efeitos significativos nas práticas comerciais e nos direitos dos credores.
No caso em apreço, o Tribunal abordou uma situação em que foram efetuadas múltiplas cessões de créditos periódicos, decorrentes de prestações de saúde. Em particular, a questão central dizia respeito ao ónus da prova, que, segundo a decisão, recai sobre o devedor cedido. Isto significa que, em caso de contestações relativas à eficácia das cessões anteriores, é o devedor que deve comprovar a persistência da validade da cessão anterior.
Cessão de crédito - Créditos relativos a prestações continuativas - Ónus da prova a cargo do devedor - Eficácia da cessão anterior - Facto impeditivo da pretensão do cessionário - Facto específico. Em caso de cessões sucessivas de créditos periódicos contra o mesmo devedor, recai sobre este último o ónus da prova da persistente eficácia da cessão anterior, pois esta constitui facto impeditivo da pretensão do cessionário que age em virtude de uma cessão posterior. (Na espécie, o S.C. cassou com reenvio a decisão de mérito que havia imputado ao cessionário o ónus da prova num caso em que os créditos periódicos decorrentes das prestações de saúde realizadas no interesse de uma Empresa de Saúde Local haviam sido objeto de duas diferentes cessões, a segunda das quais - acionada em juízo - teve um princípio de execução mediante pagamentos efetuados pelo devedor cedido).
As implicações da decisão são múltiplas. Em primeiro lugar, clarifica um princípio fundamental no direito das obrigações: o ónus da prova nem sempre recai sobre o cessionário, especialmente em caso de cessões sucessivas. Isto representa uma proteção para o cessionário, que não tem de comprovar a validade da sua cessão se não houver contestação por parte do devedor.
Além disso, a decisão poderá influenciar as modalidades de gestão de créditos por parte das empresas, especialmente em setores como o da saúde, onde as cessões podem ser frequentes. É crucial que as empresas e os profissionais compreendam a necessidade de uma documentação adequada e de um acompanhamento constante das cessões para evitar problemas legais.
Em conclusão, o acórdão n.º 8829 de 2024 do Tribunal da Relação representa um importante esclarecimento sobre os ónus probatórios na cessão de créditos. O entendimento do Tribunal realça a responsabilidade do devedor de comprovar a eficácia das cessões anteriores, protegendo assim o cessionário de ónus probatórios injustificados. Esta decisão oferece importantes reflexões para os profissionais do direito e para as empresas envolvidas na gestão de créditos, sublinhando a importância de uma correta gestão e documentação das cessões.