Recentemente, o Tribunal de Cassação emitiu a Ordem n. 10889 de 23 de abril de 2024, que oferece insights significativos sobre a validade das deliberações assembleares na presença de conflitos de interesses. Em particular, a decisão esclarece que a deliberação de quantificação da remuneração do administrador não é inválida, mesmo que adotada com o voto determinante do próprio administrador, desde que não haja prejuízo ao interesse social.
A Ordem em questão insere-se no contexto das sociedades de capital, onde o Código Civil, nos artigos 2479 ter, 2373 e 2389, disciplina as modalidades de determinação da remuneração dos administradores e as condições de validade das deliberações assembleares. No caso específico, o sócio-administrador participou da assembleia na qualidade de sócio e o seu voto foi determinante para a aprovação de uma deliberação que previa uma redução da sua remuneração, devido às dificuldades económicas da sociedade.
Sociedades de capital - Remuneração do administrador - Deliberação assemblear de determinação - Impugnação - Conflito de interesses - Pressupostos - Admissibilidade - Exclusão - Facto específico. Em matéria de sociedades de capital, a deliberação de quantificação da remuneração do administrador não é inválida por conflito de interesses, ainda que adotada com o voto determinante do próprio administrador, que tenha participado na assembleia na qualidade de sócio, pois, embora lhe permita obter um seu interesse pessoal, não acarreta, por si só, um prejuízo ao interesse social. (Na espécie, a S.C. confirmou a decisão de mérito que, apesar do voto determinante do sócio-administrador, não havia vislumbrado qualquer incompatibilidade entre o interesse pessoal e o da sociedade, tratando-se de deliberação que havia reduzido a sua remuneração devido às dificuldades económicas da sociedade).
A decisão do Tribunal de Cassação tem uma importância crucial para as sociedades de capital, pois esclarece que um administrador pode participar e votar numa deliberação que diz respeito à sua própria remuneração, sem que isso implique automaticamente um conflito de interesses. No entanto, é fundamental que a deliberação não prejudique o interesse social.
Em conclusão, a Ordem n. 10889 de 2024 representa um passo importante na regulamentação das dinâmicas internas das sociedades de capital. Convida a refletir sobre o equilíbrio entre os interesses pessoais dos administradores e os interesses coletivos da sociedade, promovendo uma abordagem mais pragmática e responsável na gestão das deliberações assembleares. O Tribunal traçou, assim, uma linha clara: é possível que um administrador vote em questões que o afetam diretamente, desde que isso não comprometa o interesse geral da sociedade.